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quarta-feira, 18 de abril de 2012

Mata Atlântica e as Mudanças Climáticas


A Mata Atlântica está tão fortemente vinculada com a história do Brasil, que até o nome do país tem como origem uma espécie arbórea endêmica desta formação, o pau-brasil (Cãsalpinea echinata Lam. - Leguminosã/Cãsalpinoideã). A exploração do pau-brasil foi o primeiro de uma série de ciclos econômicos - como o ciclo da cana-de-açúcar, o ciclo da mineração e o ciclo do café - que, ao longo de 500 anos, reduziram os 1.300.000 km2 de Mata Atlântica aos cerca de 100.000 km2 que restam hoje.
Além de representarem apenas 7% da área originalmente ocupada, os remanescentes de Mata Atlântica encontram-se altamente fragmentados e sob uma forte pressão antrópica, pois 120 milhões de brasileiros vivem na região. Considerando o conjunto de Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais hoje existente, apenas 1% das áreas que ainda conservam a vegetação nativa está protegido.
Diversos autores (Salis et al 1995; Torres et al 1997; Scudeller 2002) têm demonstrado que a distribuição de espécies arbóreas de Mata Atlântica está diretamente correlacionada com características climáticas, especialmente a temperatura e a precipitação. No estado de São Paulo, por exemplo, nas áreas mais elevadas e, consequentemente, mais frias como Atibaia e Japi, a família Myrtaceã substitui a família Leguminosã em termos de importância. A mudança na composição florística dessas matas resulta em uma significativa alteração estrutural, as árvores são mais baixas e com caules, geralmente, de um diâmetro menor.
Mudanças climáticas afetam portanto não só o limite de biomas, mas também a distribuição de espécies dentro destes. As flutuações climáticas do Quaternário levaram a retração e expansão dos principais biomas brasileiros. Nos períodos mais frios e secos, que tiveram seu último pico a 18.000 anos atrás, a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica ficaram restritas às áreas hoje conhecidas como refúgios (Brown Jr & Ab'Saber 1979), enquanto que os Cerrados e a Caatinga se expandiram cobrindo boa parte do território nacional.
"A presença de espécies tipicamente amazônicas nas formações atlânticas do sul da Bahia e norte do Espírito Santo, por um lado, e a presença de espécies típicas da bacia dos rios Paraná e Uruguai, nas formações atlânticas da região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) e no sul do Estado de São Paulo, por outro, sugerem que a Mata Atlântica passou por processos de expansão e retração em função, principalmente de variações climáticas" (Joly et al 1990). Recentemente, Forni-Martins & Martins (2000) apresentaram evidências citológicas sugerindo conexões entre a vegetação arbórea da Mata Atlântica e a dos Cerrados.
Indiscutivelmente o clima do planeta Terra oscilou significativamente nos últimos 65 milhões de anos. Estas flutuações incluem processos lentos (numa escala de 105 a 107 anos) de aquecimento ou de resfriamento impulsionados pela tectônica de placas, processos graduais, quase cíclicos, derivados de alterações orbitais (numa escala de 104 a 106 anos), em alguns raros casos alterações abruptas com transições na escala de 103 anos.
Este padrão de flutuações alterou-se, significativamente, desde a revolução industrial do século XIX, quando a Terra entrou em um processo de aquecimento em função do crescente acúmulo de gases, especialmente CO2, na atmosfera do planeta. Desde 1979, quando ocorreu a primeira Conferência Internacional sobre o Clima, pesquisas em todos os pontos do planeta confirmam que a Terra está num processo de aquecimento. Este processo, que vem sendo monitorado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC) desde 1988, está provocando mudanças climáticas em uma velocidade sem precedentes, a temperatura média da Terra já subiu, pelo menos 0,5º C no último século e diversos cenários sugerem que deverá subir mais 2 ou 3º C até o fim deste século.
Junto com o aumento da temperatura temos, pelo menos para a região da Mata Atlântica, a previsão de uma diminuição significativa nos índices pluviométricos. Ou seja, dentro de 100 anos a área ocupada hoje pela Mata Atlântica será mais quente e mais seca.
Conseqüências das mudanças climáticas
A pergunta que fazemos é: haverá tempo para uma redistribuição espacial das espécies de Mata Atlântica? Seremos capazes de definir hoje onde criar Unidades de Conservação e corredores migratórios, para assegurar que dentro de 100 anos as áreas ocupadas por remanescentes de Mata Atlântica estejam protegidas e conectadas? O que vai acontecer com as espécies hoje restritas às regiões mais frias, como as identificadas por Salis et al (1995) para o estado de São Paulo?
No âmbito do Programa BIOTA/FAPESP estão sendo desenvolvidas ferramentas de modelagem preditiva da distribuição de espécies (http://splink.cria.org.br). Estas ferramentas analisam as condições específicas (temperatura, precipitação, tipo de solo, tipo de formação vegetal, etc...) dos pontos onde uma determinada espécie foi observada e registrada. Com estes dados, através de algoritmos genéticos (os dois mais utilizados são o GARP e o Biocline), o sistema determina o "nicho" da espécie. Com base nesta análise o sistema projeta outros pontos onde, potencialmente, a espécie também deve ocorrer. Este tipo de modelagem permitirá também prever as conseqüências do aquecimento global na distribuição de espécies. Isto é, poderemos utilizar a previsão das novas temperaturas médias previstas nos diversos cenários para responder não só a pergunta sobre o que vai acontecer com as espécies hoje restritas às áreas mais frias, mas como as alterações nos índices pluviométricos afetarão todo o complexo de ecossistemas que hoje constituem a Mata Atlântica sensu lato.
Apesar do significativo aumento de pesquisadores(as) e projetos de pesquisa nos diversos ecossistemas que constituem este grande complexo genericamente denominado Mata Atlântica, há uma grande carência de informações em áreas básicas para o aperfeiçoamento dessas ferramentas de modelagem. Apesar de, em alguns casos, termos informações altamente sofisticadas sobre uma determinada espécie (Aidar et al 2002), para podermos prever, com maior precisão, as conseqüências das mudanças climáticas em curso seria necessário compreendermos melhor as relações entre biodiversidade e a estrutura e funcionamento dos ecossistemas.
? preciso desenvolver sistemas de monitoramento com espécies de diversos grupos taxonômicos (plantas, animais & microrganismos) para ajudar a detectar mudanças em padrões e determinar a capacidade de dispersão e/ou migração de espécies em uma paisagem já altamente fragmentada. Estas informações são de fundamental importância para determinarmos políticas que assegurem a conservação e o uso sustentável da biodiversidade tanto imediatamente como no futuro, quando o clima for mais quente e seco.
Paralelamente, é preciso gerar uma base de dados climáticos locais que possibilitem o aperfeiçoamento dos modelos de mudanças climáticas em uma escala regional. Pois os modelos hoje existentes são extrapolações grosseiras de estimativas globais que não possuem o detalhamento necessário para uma análise mais refinada.

* Carlos Alfredo Joly é biólogo, professor do Departamento de Botânica da UNICAMP (Universidade de Campinas) e Coordenador do Programa BIOTA/FAPESP.
** Artigo originalmente publicado no site Com Ciência.

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